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Nos dias atuais percebemos cada vez mais que o fenômeno blockchain começa a atravessar a fronteira da ameaça para a da oportunidade de mudança.

O surgimento de fintechs (startups financeiras), que foram em grande parte responsáveis por este dinamismo, utilizando os vários mecanismos disponibilizados pelas várias vertentes de blockchain, já ganharam o seu espaço e começam a influenciar o ecossistema que as rodeia. Para o cidadão que não tenha nenhum interesse particular pelo tema, talvez aquele que mais tenha chamado sua atenção seja o das moedas virtuais (bitcoin, por exemplo) e as carteiras (wallets) que possibilitam o seu uso diário.
No entanto os meios de comunicação encarregaram-se de focar no menos essencial, ou seja, no seu uso indevido (branqueamento de capitais, evasão fiscal, etc.) e não naquilo que tem de inovador e único: a transmissão de confiança entre relações ou transações. Como se no mundo financeiro atual isso já não existisse.

Não irei aprofundar o que é o blockchain — para tal existem já imensos artigos, livros e TEDx talks que o explicam muito melhor do que eu. Poderia dizer que blockchain é uma base de dados distribuída, não centralizada, que é continuamente alimentada por registos associados a transações, denominadas de blocos. Cada bloco contém um selo temporal (timestamp) e um link para o bloco que o antecede. De acordo com a sua arquitetura, as blockchains são imutáveis e não permitem a alteração do seu conteúdo. Assim que o registo é efetuado num bloco não pode ser retroativamente alterado.

Mas eu gostaria de focar num valor essencial que o blockchain tem como pilar, que é a economia de confiança e a forma como os standards da GS1 (associação dedicada ao design e implementação de padrões globais de identificação de produtos) irão se relacionar com a mesma. Um dos grandes ativos da GS1 passa pela definição de padrões que permitem uma linguagem global entre todos os players, maximizando a eficiência e segurança nestas relações. E uma variável crítica é a confiança na qualidade da informação que é transmitida. Não basta compreendê-la, é importante também confiarmos na informação que enviamos ou que recebemos de outras partes.

Neste campo, a GS1 tem tido uma missão heróica e de elevado valor para todos nós. E uma das áreas de maior investimento tem sido a relacionada com adoção de padrões de rastreabilidade aplicada setorialmente à área da saúde, transportes & logística, varejo, etc. E a verdade é que os ganhos obtidos são inquestionáveis e tangíveis. Uma excelente referência é o relatório “Strengh in unit: The promise of global standards in healthcare” publicado pela Mckinsey & Company, em especial o capítulo “Standards as a foundation for change”, que espelha de forma tangível e categórica as vantagens e economias que no setor da saúde seriam obtidas.

Outro, talvez mais relacionado com garantia de qualidade de informação de produtos, foi publicado em 2016 pela Accenture em conjunto com a GS1 Suécia, sobre o qual escrevi um breve resumo, e onde são revelados os ganhos de milhões de euros nos últimos 10 anos por via da adoção dos standards GS1.

Regressando à questão da confiança, no início deste mês, o New York Times publicou um artigo intitulado “Blockchain: A Better Way to Track Pork Chops, Bonds, Bad Peanut Butter?”, que poderia ser mais um artigo sobre o tema de moedas virtuais ou relacionado com fintechs, mas não é.

Como o próprio título indica, trata-se da aplicação do conceito de blockchain à cadeia de abastecimento, onde três players com um peso de escala global e com atuações diferentes, verificam a rastreabilidade de um conjunto de bens.

Estamos falando da IBM, como fornecedora de tecnologia; da Maersk, como transportadora e operador logístico e do Walmart, o maior varejista mundial. Os exemplos vão desde o transporte de abacates até à carne de porco. E são apenas uns dos 400 clientes que a IBM utiliza sua tecnologia relacionada com blockchain.

Existem questões filosóficas de que este tipo de abordagem blockchain não deverá estar confinado a um fornecedor de tecnologia ou onde estará a informação guardada, mas vamos deixar estes temas para trás e focarmos no essencial que é a confiança necessária para esta partilha. Confiança esta que se apresenta de forma disruptiva, ultrapassando as barreiras de B2B2G2C ou B2B2C2G ou o que for.

Quando olhamos então para o papel da GS1 e para a sua missão de ser um dos alicerces fundamentais na definição de standards para a cadeia de abastecimento (de varejo, saúde, financeira, etc.), e quando esta se depara com a realidade blockchain, que papel deverá assumir? Como incluir a utilização dos seus padrões para que faça parte de tecnologias e processos orientados à blockchain? E, paralelamente, como capitalizar a contribuição que no passado recente tem permitido obter ganhos a todos os players?
É de fato uma pergunta que origina muito mais perguntas e todas exigem uma reflexão também ela disruptiva e pouco tradicional. Deverá ser constituído um mecanismo GS1 virado para processos blockchain, onde o seu uso é algo que possa transmitir a confiança entre os players? Deverá ser uma espécie de token?

A verdade é que não ter respostas concretas não é a raiz do problema.

O problema é tardar em discuti-las e percebermos que os vários players começam a tentar encontrar as suas próprias respostas aos novos desafios sem a nossa participação, como o artigo do NYT evidencia. E o desafio não se restringe apenas à GS1 mas sim à própria existência de um standard que, no limite, é substituído por múltiplas interações, e que todas agrupadas transmitem o valor confiança.

By gab